CONSIDERAÇÕES ACERCA DA LEI Nº 13.303, DE 30 DE JUNHO DE 2016

(ESTATUTO JURÍDICO DA EMPRESA PÚBLICA E DA SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA)

 

            PREÂMBULO

 

Este trabalho não tem a pretensão de esgotar o debate sobre o tema e busca, portanto, apresentar ao menos afeitos às letras jurídicas, o contato hermenêutico a seus termos e, a partir dele, conhecer e encaminhar as ações comerciais, necessárias ao objetivo final das organizações, traduzindo-as em propostas exitosas que lhes resultem em benefícios econômicos e sociais.

 

BREVES APONTAMENTOS SOBRE A LEI Nº 13.303/2016

 

01-) A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 22, inciso XXVII, determina:

“ Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, III;”. (grifamos)

02-) A lei nº 8.666/1993, regulamenta o inciso XXI do art. 37 da Carta Republicana e, nesse diapasão, a toda a administração pública direta.

03-) Faltava, todavia, a regulamentação para a administração indireta.

04-) Nesse sentido, a essência da Lei nº 13.303/2016, que veio regulamentar o disposto pelo inciso III do art. 173 da Constituição da República.

05-) O art. 1º da referida lei determina que “ Esta lei dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, abrangendo toda e qualquer empresa pública e sociedade de economia mista da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que explore atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou seja de prestação de serviços públicos”.

06-) E o que se destinam as empresas estatais ? Pela intelecção dos incisos II e III do art. 5º do Decreto Lei nº 200/1967, as empresas estatais são ferramenta para a intervenção direta do Estado na economia. Referidas empresas prestam serviços públicos em diversas áreas tais como saneamento e energia elétrica; realizam atividades econômicas como as dos bancos oficiais/Petrobrás ou se destinam a atividades de apoio à administração pública, como as empresas que atuam na área de tecnologia da informação.

07-) Desta forma, referidas pessoas jurídicas, em cumprimento ao dispositivo constitucional, careciam da promulgação de lei que viesse a regulamentar todo o processo de aquisição de tudo aquilo que necessitam e derivado da realização do competente procedimento licitatório.

08-) Entretanto, importante ressaltar que, embora a finalidade de referidas pessoas jurídicas seja pública – e é apenas essa finalidade pública que justifica a ação do Estado nos termos do art. 173, o instrumento é privado. Mais do que isto: somente por ser privado é que este instrumento é adequado para atingir a finalidade pública pretendida.

09-) Consignadas as preliminares acima, esta Nota Técnica passa a examinar os artigos pertinentes ao processo de licitação e contratação, não desviando o exame das licitações dispensáveis, dispensadas, inexigíveis e a nova figura por ela introduzida, a inaplicabilidade de licitação.

10-) Em primeiro lugar, destacar que o diploma consolidado aqui sub exame afasta das pessoas jurídicas a quem se destinam a abrangência dos termos da Lei nº 8.666/93. Assim, a partir do mês de julho de 2018, todas as pessoas jurídicas abrangidas pelos termos da norma já deverão ter adequado seus procedimentos aquisitórios aos termos daquela lei.

DA EXIGÊNCIA DE LICITAÇÃO

11-) À exceção da dispensa de licitação e da inexigibilidade de licitação e, também, pela figura introduzida pelo § 3º do art. 28 da Lei em comento, todas as aquisições destinadas às empresas públicas e sociedades de economia mista deverão ser precedidas de licitação da Lei nº 13.303/2016.

Por conseguinte, importante destacar que a partir da vigência da lei e transcorridos 24 (vinte e quatro meses) de seu início, todas as empresas públicas e sociedades de economia mista existentes antes da norma, deverão adequar-se aos seus ditames, deixando de aplicar, aos seus procedimentos, a Lei nº 8.666/1993.

DA INAPLICABILIDADE DE LICITAÇÃO

12-) De acordo com a redação do § 3º do art. 28 da Lei nº 13.303/2016, as empresas públicas e as sociedades de economia mista poderão invocar a inaplicabilidade de licitação contratando  “ diretamente “ com as pessoas jurídicas de direito privado que possuam atividade relacionada com as de seus objetos sociais.

Possível, também, a inaplicabilidade de licitação quando verificada a ocorrência de oportunidades de negócio e o parceiro a ser escolhido tenha suas características associadas às da empresa pública e/ou sociedade de economia mista. (inciso II, § 3º, art. 28)

A inaplicabilidade de licitação, por conseguinte, a desnecessidade de procedimento formal, destinado a documentar com minúcia as características do caso concreto.

LICITAÇÃO DISPENSÁVEL

13-) A lei nº 13.303/2016 segue o mesmo modelo do art. 24 da lei nº8.666/1993, estabelecendo, todavia, limites diferenciados para dispensa de licitação.

A lei nº 8.666/93 estabelece o valor de R$30.000,00 como limite de dispensa para contratações de obras e serviços de engenharia promovidas pelas empresas públicas e sociedades de economia mista e, pela redação da lei nº 13.303/2016, esse limite é de R$100.000,00.

Relativamente a outros serviços, compras e alienações, a lei nº 8.666/92 estabelece o limite de dispensa de licitação de R$16.000,00 sendo que, no ordenamento normativo sub exame o valor é de R$50.000,00.

DA CONTRATAÇÃO DIRETA

14-) A lei nº 13.303/2016 adota a terminologia contratação direta relacionada à inviabilidade de licitação (inexigibilidade). Todavia, o titulo da Seção I refere-se à Inexigibilidade de licitação. Portanto, aquele diretamente envolvido no procedimento aquisitório deverá aplicar as terminologias contratação direta/inexigibilidade, vez que são análogas, pela intelecção dos termos da lei.

A contratação direta poderá ser praticada sempre que, na visão da empresa pública/sociedade de economia mista, houver inviabilidade de competição. Nessa seara, a necessidade da empresa estatal poderá ser contemplada por um único fornecedor.

Nesse sentido, importante destacar a redação do inciso I do art. 30 da Lei nº 13.303/2016 difere das exigências contidas no inciso I do art. 25 da Lei nº 8.666/1993, visto que naquele ordenamento não está prevista a exigência de apresentação de atestado de exclusividade fornecido por terceiros. Importante destacar que referido artigo não faz menção aos casos de prestação de serviços e, nem por isso, seja relevante, vez que o referido inciso I da Lei nº 13.303/2016 não é dotado de exclusividade.

Portanto, a comprovação de exclusividade do fornecedor recairá sobre a empresa pública/sociedade de economia mista que deverá verificar a existência de outra solução satisfatória que não a pretendida, devendo justificá-la com a apresentação de documentação satisfatória. (não confundir com apresentação de certidões/atestados fornecidos por terceiros)

DAS DISPOSIÇÕES DE CARÁTER GERAL SOBRE LICITAÇÕES E CONTRATOS

15-) Em linhas gerais o art. 31, caput da Lei nº 13.303/2016 segue os ditames contidos no art. 3º da Lei nº 8.666/93. Seu comando determina a busca da proposta mais vantajosa sem, entretanto, mencionar a obrigatoriedade da legalidade nos procedimentos licitatórios abordados pela norma e prevendo a incidência dos princípios da isonomia e da economicidade.

A adoção desses princípios coaduna-se com os preceitos aplicáveis às pessoas jurídicas de direito privado que, pautadas pelos comandos do Código Civil brasileiro, relativamente aos contratos por elas celebrados, devem se pautar, sempre, pelos postulados da probidade e da boa-fé.

MOST ECONOMICALLY ADVANTAGEOUS TENDER

16-) A exigência de consideração do ciclo de vida implica avaliar, na apuração da proposta mais vantajosa, os encargos e as vantagens do objeto durante toda a sua vida útil, não apenas no momento da aquisição. O chamado Life Cycle Costing é um conceito moderno de avaliação econômica de propostas em licitação adotado pelo art. 68(2) da Diretiva 2014/24 da União Européia.(PEREIRA, Cesar A. Guimarães, in Estatuto Jurídico das Empresas Estatais. RT. 2016. SP. Pág. 338)

SOBREPREÇO/SUPERFATURAMENTO

17-) Ocorre sobrepreço quando os preços orçados pela empresa pública/sociedade de economia mista para a licitação ou os preços contratados são expressivamente superiores aos preços referenciais de mercado.

Ocorre superfaturamento quando ocorrer dano ao patrimônio da empresa pública/sociedade de economia mista, na ocorrência das situações previstas nas alíneas “a”, “b”, “c” e “d” do inciso II do art. 31 da Lei nº 13.303/2016.

DIRETRIZES A SEREM OBSERVADAS PARA A REALIZAÇÃO DE LICITAÇÕES E CELEBRAÇÃO DE CONTRATOS

18-) Quando da realização do competente certame licitatório e, por conseguinte, da celebração de seu respectivo contrato, deverão ser observados:

  • A padronização do objeto da contratação, dos editais e das minutas de contrato, observados os regulamentos internos e próprios de cada uma das empresas públicas/sociedade de economia mista;
  • Observância do custo/benefício pautados pelos custos e benefícios, diretos/indiretos, da natureza econômica, social ou ambiental, inclusive

 

  • os referentes à manutenção; desfazimento de bens; índice de depreciação econômica;
  • Realizar licitação da modalidade pregão;
  • Objeto da licitação e do contrato social devem ser definidos de forma sucinta e clara.
  • O valor do contrato a ser celebrado pela empresa pública/sociedade de economia mista será sigiloso.

REGULAMENTO INTERNO DE LICITAÇÕES E CONTRATOS

19-) A empresa pública e a sociedade de economia mista deverão publicar e  manter atualizado o regulamento interno de licitações e contratos, compatível com os termos da Lei nº 13.303/2016, especialmente quanto:

  • Glossário de expressões técnica;
  • Cadastro de fornecedores;
  • Minutas-padrão de licitação e contratação direta;
  • Tramitação de recursos;
  • Formalização de contratos;
  • Gestão e fiscalização de contratos;
  • Aplicação de penalidades; e,
  • Recebimento do objeto contratual.

AQUISIÇÃO DE BENS

20-) A empresa pública e a sociedade de economia mista, quando da realização de licitação para a aquisição de bens, poderão:

  • Indicar a marca ou modelo, nas seguintes hipóteses:
  • Em decorrência da necessidade de padronização do objeto;
  • Quando determinada marca ou modelo comercializado por mais de um fornecedor constituir o único capaz de atender o objeto do contrato;
  • Quando for necessária, para compreensão do objeto, a identificação de determinada marca ou modelo apto a servir como
  • referência, situação em que será obrigatório o acréscimo da expressão “ ou similar ou de melhor qualidade “;
  • Exigir amostra do bem no procedimento de pré-qualificação e na fase de julgamento das propostas ou de lances, desde que justificada a necessidade de sua apresentação;
  • Solicitar  a certificação de qualidade do produto ou do processo de fabricação, inclusive sob o aspecto ambiental, por instituição previamente cadastrada.

DO PROCEDIMENTO DE LICITAÇÃO

21-) Com o advento da Lei nº 13.303/2016, o procedimento das licitações promovidas pelas empresas públicas/sociedades de economia mista devem adotar os seguintes passos:

  • Preparação: é a fase interna da licitação. A legislação e escassa nesse item, devendo portanto os regulamentos internos das empresas estatais preverem quais os caminhos a serem seguidos;
  • Divulgação: é o momento pelo qual as empresas estatais tornam público o conhecimento e a realização do evento licitatório. Não obstante a norma não prever a duração de sua divulgação, importante que o tempo seja suficiente para que o mercado conheça de seus termos e, em conseqüência, formule suas propostas;
  • Apresentação de lances ou propostas, conforme o modo de disputa adotado: Será o regulamento interno das empresas estatais quem determinará a forma de apresentação das propostas que poderá ser: i-) modo aberto: momento em que os licitantes deverão apresentar lances públicos e sucessivos, que poderão ser crescentes ou decrescentes. Definido o melhor lance, reinicia-se a disputa aberta entre os demais licitantes, a fim de definir as demais colocações. Todavia, isso ocorrerá somente quando existir diferença de pelo menos 10% entre o melhor lance e o subseqüente; ii-) modo fechado: as propostas são sigilosas até a data e a hora designadas para sua divulgação. Os licitantes realizam apenas uma proposta e não várias, sucessivamente, como ocorre no modelo aberto; iii-) modo de disputa aberto/fechado somente quando houver parcelamento do objeto;
  • Julgamento: A Lei nº 13.303/2016, adota os seguintes critérios de julgamento de propostas: i-) menor preço; ii-) maior desconto; iii-) melhor combinação de técnica e preço; iv-) melhor técnica; v-) melhor conteúdo artístico; vi-) maior oferta de preço; vii-) maior retorno econômico; viii-) melhor destinação de bens alienados.

FASE RECURSAL ÚNICA

22-) A Lei nº 13.303/2016 prevê fase única para a apresentação de recurso administrativo. Não prevê, todavia, a apresentação de contrarrazões de recurso administrativo. Não obstante essa realidade, fato é que a qualquer litigante, administrativamente ou em processo judicial é garantido o direito ao contraditório e ampla defesa, preceitos estes constitucionais. Assim o é, também, o direito constitucional de peticionar aos poderes públicos em defesa de seus direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.

 

DOS CONTRATOS

23-) A diferença, significativa, existente entre o ordenamento jurídico aqui sub exame dos termos da lei nº 8.666/93, reside no fato de que aplica-se aos contratos celebrados pelas empresas estatais somente o ordenamento jurídico aplicável as pessoas jurídicas de direito privado. Não mais se observa, portanto, as regras de direito administrativo aplicáveis aos contratos administrativos.

Significa dizer, portanto, que as regras aplicáveis aos contratos celebrados pelas empresas estatais são todas aquelas previstas no Código Civil brasileiro.

Em decorrência dessa realidade, os contratos celebrados não contemplam o aspecto unilateral, típico das contratações administrativas. Significa dizer, portanto, que qualquer alteração a ser processada nos instrumentos contratuais haverão de ser, necessariamente, consensuais. Esse procedimento afasta, por conseguinte, qualquer justificativa apresentada pelas empresas estatais, inclusive a de maior peso que é o do “ interesse público”.

As chamadas cláusulas exorbitantes, típicas de instrumentos contratuais administrativos, não existem na realidade normatizada pela Lei nº 13.303/2016.

Entretanto, importante destacar que, não obstante não existirem nos contratos celebrados entre as empresas estatais e o mundo privado tais “ espadas “, isso não as afasta de observarem os princípios que regem a administração pública e que estão esculpidos no art. 37, caput, da Constituição da República.

Outro ponto a destacar, refere-se ao tempo de vigência do instrumento contratual que, pela intelecção do art. 71 da Lei nº 13.303/2016, não poderá exceder o prazo de 5 (cinco) anos, admitindo-se, todavia, pacto superior àquele período, se for comprovada a prática rotineira de mercado para tal contratação.

DA ALTERAÇÃO DOS CONTRATOS

24-) De imediato a Lei nº 13.303/2016 traz em seu art. 81 a determinação de que os contratos celebrados entre as empresas estatais e o mundo privado contenham cláusula especifica que estabeleça a possibilidade de alteração da avença, por acordo entre as partes. Afastado, portanto, como dito alhures, a incidência de cláusula exorbitante.

Por conseguinte, a previsão legal mencionada destina-se a garantir que os contratos firmados com as empresas públicas e sociedades de economia mista, possam ser adequados à realidade concreta que se apresente no curso de sua execução. Assegura-se ao particular e às empresas estatais o direito de promover determinadas alterações contratuais de acordo com a legislação privada e com os termos constantes do contrato celebrado.

Importante destacar, por óbvio, que a única alteração não admitida nos contratos, sejam eles celebrados sob a égide da Lei nº 8.666/93 e, agora, pelo disposto na norma de nº 13.303/2016, é a alteração de seu objeto contratual.

CONCLUSÃO

Como dito no início deste trabalho, estas linhas não esgotam o estudo do tema licitações e contratos da administração pública indireta. Certo é que, desde a primeira vez que se escreveu sobre o tema no direito público brasileiro, isso no longínquo ano de 1922, através do Código de Contabilidade Pública, já naquela oportunidade, o legislador voltava-se para as aquisições “mais baratas “.

O texto normativo aqui examinado é evolução do processo aquisitivo da administração pública brasileira que, possuindo na sua estrutura funcional a chamada administração pública indireta, nela inclusa as empresas estatais, não poderia se furtar à elaboração de norma específica que tratasse do tema relegando às mesmas, tratamento jurídico igualitário destinado à administração pública direta. (Lei nº 8.666/93)

Desta forma, a Lei nº 13.303/2016 adequa o procedimento licitatório das empresas estatais ao disposto no art. 15, inciso II da Lei nº 8.666/1993, que prevê que “ As compras, sempre que possível, deverão:II - submeter-se às condições de aquisição e pagamento semelhantes às do setor privado;”. É o que se pretende a partir da entrada em vigor da Lei nº 13.303/2016.

Ao fim e ao cabo, a certeza de que a Administração Pública não dorme.

É necessário, portanto, adequar-se, sempre!

Belo Horizonte, 08 de março de 2018.

Marcelo Almeida Fonseca Azevedo

Advogado – OAB/MG 45.408

Especialista em Direito Administrativo

Professor Universitário – cadeira de Direito Econômico da Universidade Salgado de Oliveira – UNIVERSO/BH