E agora, o que fazer?

Tramita no Senado da República, Projeto de Lei versando sobre o novo estatuto das Licitações e Contratos Administrativos que, se aprovado, será posto a cumprir por toda a administração pública brasileira, direta e indireta.

Será, todavia, a adoção de novo ordenamento jurídico a resolução de todas as mazelas que, hodiernamente e, por que não dizer, também, no pretérito, afligem as áreas envolvidas nos procedimentos aquisitórios ?

Cabe, entretanto, antes mesmo de abordar acerca das mudanças propostas na legislação, breve reflexão de como proceder para a observância e aplicação da regra, a chamada fase interna da licitação. Vale aqui a máxima popular de que pau que nasce torto, morre torto.

A administração pública para cumprir seu desiderato, necessita de algumas ferramentas jurídico/contábeis para materializar suas ações.

Fato é que, dispondo de recursos financeiros oriundos das diversas fontes de arrecadação de tributos e que formatam seu orçamento, a administração pública possui, todavia, somente uma “torneira ” que possibilita gastar os dinheiros públicos. É o procedimento licitatório.

O orçamento consigna, prevê e possibilita o gasto. O procedimento licitatório é a forma de como gastar. Existem, portanto, regras a serem observadas e cumpridas.

Aqui começa, entretanto, o conflito interno da administração, relativamente ao processo aquisitório. O agente político não bem assessorado, possuindo compromissos políticos, no afã de a eles dar resolução, atropela suas atribuições legais e sempre se refere à dificuldade de governar, atribuindo às amarras que a legislação lhe impõe, toda sorte de desventuras, notadamente aquelas que versam sobre as licitações e contratos administrativos.

De outro giro, o servidor público, não tendo sido instrumentalizado de forma correta sobre o tema das licitações/contratos administrativos e com receio de cometer deslizes, atribui, também, ao ordenamento jurídico, a letargia do processo licitatório e, assim, agente político e servidor público, acabam por contribuir com o descompasso entre a prática e aquele procedimento esculpido no art. 15, inciso III da Lei nº 8.666/1993, que determina que “ As compras, sempre que possível deverão: III – submeter-se às condições de aquisição e pagamento semelhantes às do setor privado”.

O setor privado, an passant, é célere, propositivo, aguerrido. Não se descuida, momento que seja, de seu objetivo primordial e lícito que é a busca do lucro.

O lucro que a administração pública busca atingir é o ganho social em escala. É a melhor aplicação e destinação dos recursos públicos. É o planejamento prévio e o conhecimento pleno do mercado em que pretende contender. É instrumentalizar e capacitar a administração pública para os desafios que virão, quando da realização dos eventos licitatórios.

Portanto, para a boa sequência dos atos internos de uma licitação, deve-se observar: a-) Termo de Referência expedido pela unidade que demanda a ação pretendida, contendo nível de detalhamento que possibilite, quando da realização do certame, a apresentação de propostas válidas, pelos licitantes; b-) Consignação, pela área de orçamento, da existência de dotação orçamentária que comporte a realização da despesa pretendida; c-) Consignação, pelo setor financeiro, da correspondente existência de recursos consignados na dotação oferecida; d-) Manifestação da área jurídica do demandante, informando do exame e aprovação prévia do edital e da minuta de contrato; e-) Autorização da autoridade competente para a abertura do procedimento licitatório.

Todas as fases deverão conter a assinatura do responsável pela informação prestada. Caracterizada, aqui, a corresponsabilidade.                        

O tema licitação não é noviço na administração pública brasileira. Ainda do período imperial e adotando princípios contidos nas Ordenações Filipinas datada de 1.603, o direito luso emprestou às terras além mar, o modus faciendi nos processos aquisitivos.

Foi, entretanto, através do revogado Código de Contabilidade Pública da União de 1922, que se tratou, pela primeira vez, em diploma consolidado específico, este tema.

Naquela oportunidade e em dois únicos artigos, todo o procedimento aquisitório estatal estava posto, devendo referidas compras se pautar, sempre, pela proposta mais barata. Assim estava escrito. Assim era praticado.

Do festejado e incomparável mestre Miguel Reale, a “ Estrutura Tridimensional do Direito ”, também se aplicou a este campo do direito público, possibilitando, a partir daquele primeiro instrumento jurídico, uma sucessão de regras que viriam a acoplar às necessidades e, por que não dizer, necessidades, que a administração pública passava, premida pelo acompanhamento, cada vez mais criterioso e agudo, da sociedade civil organizada.

Foi assim, com o advento do Decreto-Lei nº 200/1967, a primeira grande reforma administrativa brasileira. Naquele diploma, a administração pública, no tocante às aquisições de que necessitava, deveria observar o disposto pelos vinte artigos que tratavam da matéria. Importante ressaltar que entre o primeiro ordenamento que tratou a matéria, Código de Contabilidade Pública/1922 e o Decreto-Lei nº 200/1967, transcorreram 45 anos. O salto se deu de dois para vinte artigos.

Em seguida, a adoção do Decreto-Lei nº 2.300/1986 que, ao longo de seus 90 artigos, tratava dos procedimentos licitatórios da administração pública. Dezenove anos se passaram entre os Decretos-Lei nº 200 e o 2.300 e o ordenamento jurídico salta de 20 para 90 artigos. Era a mudança, mais uma vez, requerida pela sociedade constituída.

Entretanto, com a promulgação da Carta Republicana em 1988, não era compatível que um diploma legal, Decreto-Lei nº 2.300/1986,  erigido ainda sob a batuta do regime de exceção, convivesse com uma carta política nascida sob o manto da liberdade. Fazia-se, portanto, necessária sua revogação para que, agora sob a égide de Lei votada de forma soberana pelo Congresso Nacional, brindasse a administração pública com regras que refletissem, a contento, os novos ares da República. Assim nasceu a Lei nº 8.666/1993 que ainda hoje vige e está a ditar os procedimentos a serem observados pela administração pública. Entre o Decreto-Lei nº 2.300/1986 e a Lei nº 8.666/93 transcorreram sete anos e o tema passou a ser tratado em 126 artigos.

Da primeira regra, Código de Contabilidade Pública da União, 1922 até a presente data, Lei nº 8.666/1993, transcorreram noventa e três anos. De dois artigos para 126 artigos. A questão temporal serve de alicerce na consolidação do Estado de Direito. A questão numeral aponta para as grandes modificações e alterações por que passou a administração pública nacional, na busca pela melhor adequação e destinação dos recursos públicos a serem empregados nas múltiplas ações em que o Estado deve intervir.

Não será diferente, portanto, com o que está por vir. As propostas de alteração partem, desde a supressão de modalidades de licitação (Tomada de Preços e Convite), alteração dos valores para dispensa de licitação, a inversão de fases – o julgamento das propostas antes da habilitação, gerando economia para a administração e dificultando a manipulação de cartéis, a adoção de pregão que passa a ser obrigatório para contratação de bens, serviços e obras, desde que possam ser definidos por especificações usuais praticados pelo mercado, sendo somente a proposta de menor preço examinada.

A concorrência, de acordo com o projeto, é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados, na qual a disputa é feita por meio de propostas, ou propostas e lances, em sessão pública. Os critérios de julgamento serão o de melhor técnica, da combinação de técnica e preço ou de maior retorno econômico.

O concurso, ainda pelo disposto no projeto, é a modalidade de licitação para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante prêmios ou remuneração aos vencedores.

E o leilão, pelos termos da proposta de alteração da lei, é a modalidade de licitação para a alienação, a quem oferecer o melhor lance, de bens imóveis ou de bens móveis inservíveis ou legalmente apreendidos.

Dúvida inexiste acerca as adequações propostas no Projeto de Lei, mudanças essas que se adequam aos avanços sociais, tecnológicos e éticos, compatibilizando, dessa maneira, a ação estatal com o sentimento social.

Se, portanto, as significativas modificações propostas na legislação se incorporarem como sendo aquelas melhores práticas aquisitórias a serem praticadas pela administração pública, certo é, também, que de nada adiantará se, internamente, a anteceder os procedimentos licitatórios, cuidados e zelos não forem tomados e observados na formatação, encaminhamento e proposição da fase interna da licitação, cabendo ao fim e ao cabo, o integrante da Comissão de Licitação, tendo que julgar o procedimento licitatório, indagar:

E agora, o que fazer ?

Marcelo Azevedo – Advogado Consultor – poderá instrumentalizá-lo acerca deste tema.