RECURSOS DE CONVÊNIO NÃO REPASSADOS: POSSÍVEL O RESSARCIMENTO ?
Como já é por demais sabido, a celebração de instrumento de convênio deriva de um ajuste de vontades entre ente estatal e pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos e com atividade vocacionada para o social, tendo por objeto, ações que visem o bem estar da coletividade. Os partícipes, ao celebrarem referido instrumento, possuem interesses comuns.
Dessa forma, ao redigirem as cláusulas que integram a estrutura do convênio , incluem aquela que prevê o repasse de recursos para a execução de seu objeto. Assim, baseado na segurança jurídica que deriva de tal documento, o particular, agora partícipe, vai ao “mundo” materializar o acordo primevo.
Devendo observar todo um cipoal de normas constantes no documento originário, o convenente assume toda sorte de compromissos com particulares que, acreditando na veracidade e segurança das informações prestadas por ele – convenente - quando da formatação de processo de licitação, apresentam suas propostas e, vencedores do processo de seleção, firmam contratos de prestação de serviços e/ou fornecimentos de bens.
Contratos celebrados e a execução dos objetos a pleno vapor, o partícipe, agora contratante, para seu desprazer e porque não dizer, preocupação, depara-se com a realidade nua e crua do não repasse de recursos consignados no instrumento convenial pelo ente estatal, deixando-o a descoberto perante o mercado fornecedor e, o que é pior, com a medida abrupta adotada, ver afetada, de maneira substancial, sua credibilidade, bem intangível não valorado.
A que se dispõe, então a fazer ?
Para preservar aquele bem maior mencionado, lança mão de recursos próprios para fazer valer suas obrigações perante os seus contratados que, a bem dizer, nada tem a ver com aquela situação jurídica encetada pelos partícipes.
Houve, portanto, descumprimento literal de cláusula convenial.
Não obstante, o instrumento de convênio continuou a vigir, tendo tido, inclusive, sua eficácia prorrogada mediante a celebração de termos aditivos.
Na sua contabilidade, consignada a saída de recursos próprios que seriam destinados, dentre outras ações, ao seu custeio e pagamento de salários de seus servidores, recursos esses utilizados, face ao descumprimento, por parte do ente estatal, para suprimento de suas obrigações perante terceiros.
Ele, partícipe, deverá prestar contas de seus atos ao Tribunal de Contas, à sociedade como um todo. Alguém poderá dizer que houve malversação do recurso público. O que fazer ? Como proceder ?
Dos ensinamentos do renomado jurista JUSTEN FILHO, MARÇAL in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 16ª ed. Revista, Atualizada e Ampliada. Ed. Revista dos Tribunais. S.P. 2014, pág. 971, quando leciona:
“ 6) A responsabilidade civil do Estado – Um efeito fundamental da afirmação do Estado de Direito foi a generalização do regime jurídico da ilicitude e da responsabilização civil. As pessoas estatais passaram a responder civilmente pelos efeitos danosos derivados de sua atuação. Mais ainda, impôs-se a objetivação da responsabilidade civil estatal, dispensando-se a presença dos requisitos de culpa classicamente exigidos nas relações entre sujeitos privados [...] Daí se segue que, se o sujeito tem o dever de cumprir as leis e os atos administrativos, é inafastável assegurar-se-lhes uma indenização em face de toda e qualquer atuação estatal ilegítima. A contrapartida das competências e prerrogativas públicas é a responsabilização do Estado por atos indevidos ou defeituosos “.
Ainda do mesmo autor e obra, agora às págs. 975, quando traz à colação, julgado do Tribunal de Contas da União, a saber:
“(...) não há sentido em se proceder à anulação uma vez que os contratos já foram cumpridos a contento. Não se pode olvidar que a Administração é obrigada a realizar a contrapartida financeira em relação aos serviços devidamente prestados, sob pena de se incorrer em enriquecimento sem causa “ (Acórdão 2.240/2006, Plenário, rel. Min. Valmir Campelo).
Nesse diapasão, os Ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Fazenda, bem como a Controladoria Geral da União, através da Portaria Interministerial CGU/MF/MP 507/2011, passam a dispor acerca do título deste artigo, in verbis:
“Art. 1o. Esta Portaria regula os convênios, os contratos de repasse e os termos de cooperação celebrados pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal com órgãos ou entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos para a execução de programas, projetos e atividades de interesse recíproco, que envolvam a transferência de recursos financeiros oriundos do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social da União.
...
Art. 64. Os recursos deverão ser mantidos na conta bancária específica do convênio e somente poderão ser utilizados para pagamento de despesas constantes do Plano de Trabalho ou para aplicação no mercado financeiro, nas hipóteses previstas em lei ou nesta Portaria.
§ 2° Os atos referentes à movimentação e ao uso dos recursos a que se refere o caput serão realizados ou registrados no SICONV, observando-se os seguintes preceitos:
II – pagamentos realizados mediante crédito na conta bancária de titularidade dos fornecedores e prestadores de serviços, facultada a dispensa deste procedimento nos seguintes casos, em que o crédito poderá ser realizado em conta bancária de titularidade do próprio convenente, devendo ser registrado no SICONV o beneficiário final da despesa:
- ...;
- ...;
- no ressarcimento ao convenente por pagamentos realizados às próprias custas decorrentes de atrasos na liberação de recursos pelo concedente e em valores além das contrapartida pactuada”. (grifamos)
Portanto, o que o Código Civil já previa em seus arts. 884 a 886, o Parágrafo único do art. 59 da Lei n°8.666/1993 e alterações e os arts. 62 e 63 da Lei n°4.320/1964 está pacificado pelos termos constantes da Portaria supramencionada, relativamente ao repasse de recursos pelo ente União.
Mutatis mutandis os entes federados, Estados membros, Municípios e Distrito Federal se ainda não adotaram a ação da União, deverão adequar suas legislações que versam sobre o tema, recepcionando os termos contidos na Portaria mencionada alhures, elidindo, com sua adoção, a caracterização do dano e com ele, a responsabilização objetiva.
O que não se admite e, muito menos se coaduna com o Estado Democrático de Direito é o enriquecimento sem causa, praticado por ente federativo em desfavor de quem quer que seja, sejam eles público ou privado.
Marcelo Azevedo – Advogado Consultor – poderá instrumentalizá-lo acerca deste tema.