A Lei nº 12.994, de 17 de junho de 2014, inserindo artigos à Lei nº 11.350, de 5 de outubro de 2006, instituiu o piso salarial profissional nacional e diretrizes para o plano de carreiras dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias, regulamentando, por conseguinte, o § 5º do art. 198 da Constituição da República.

A norma infraconstitucional, conforme disposto em seu art. 5º, está em vigor a partir da data de sua publicação.

De interpretação literal, a norma fixa, dentre outros pontos, aquele relativo ao valor do piso salarial profissional nacional do Agente Comunitário de saúde e do Agente de Combate a Endemia – R$1.014,00 - determinando que dito valor não conste como sendo aquele de início das carreiras nela mencionadas, sendo certo, todavia, que, conforme § 3o do art. 9º C, a União repassará o valor de assistência financeira complementar aos municípios, da ordem de 95% (noventa e cinco por cento) do Piso fixado. [...] ( grifamos)

No art. 9º D, consignado está a [...] “ criação de incentivo financeiro para fortalecimento de políticas afetas à atuação de agentes comunitários de saúde e de combate às endemias”, prevendo ainda, em seu § 1o que “ Para fins do disposto no caput deste artigo, é o Poder Executivo federal autorizado a fixar em decreto:” [...] ( grifamos )

O Art.9º-F prevê que ditos repasses sejam computados como despesa de pessoal, em observância ao disposto pela Lei Complementar nº 101/2000.

Em especial, destacamos o art. 9º E que determina que, “Atendidas as disposições desta Lei e as respectivas normas regulamentadoras, os recursos de que tratam os arts. 9º C e 9º D serão repassados pelo Fundo Nacional de Saúde (FNS) aos fundos de saúde dos Municípios, Estados e Distrito Federal como transferências correntes, regulares, automáticas e obrigatórias, nos termos do disposto no art. 3o da Lei no 8.142, de 28 de dezembro de 1990.” ( grifamos )

De se consignar, an passant, que recursos, até o presente momento, já são repassados pela União, ao ente federativo – município – de forma globalizada, estando inserido neste universo, recursos financeiros para implantação de Políticas Públicas na Atenção Básica em Saúde (os mesmos R$1.014,00) e, para fazer face aos pagamentos dos serviços decorrentes, lança-se mão de numerário para, também, remunerar os profissionais da saúde, incluído ai, os referidos Agentes. Não existe, por assim dizer, verba “carimbada “para os pagamentos e, muito menos, dinheiro novo para as determinações contidas no ordenamento jurídico.

Se vigente está a Lei, o mesmo não se pode afirmar relativamente à sua eficácia, notadamente nos pontos relativos à criação de assistência financeira complementar ( art. 9º C) e ao incentivo financeiro para fortalecimento de políticas afetas à atuação de agentes comunitários de saúde e de combate às endemias (art. 9º D), visto que, na primeira situação, não existe recurso novo, como dito alhures e, na segunda hipótese, não ter-se manifestado, ainda, a União, via decreto, regulamentando a realidade ali mencionada e, nesse vacum legis, trazer, no âmbito dos operadores da saúde pública, leia-se o ente federado, município, as mais díspares interpretações e posições, suscitando toda sorte de atitudes, receios e, por que não dizer, angústia à todas as autoridades postas a cumprir seus comandos.

A nosso sentir, a norma carece daqueles requisitos necessários de convicção à configuração de sua estrutura e, especialmente, da eficácia pretendida, decorrente de seus comandos, o que não possibilita seu integral cumprimento, visto inexistir o elo necessário para sua observação, para o cumprimento humano, que é exatamente, a funcionalidade da norma.                                                                                                    

GOFFREDO, Telles Júnior, in Iniciação na Ciência do Direito. Saraiva. 2001. SP. Pg. 210, acerca da norma jurídica, leciona:

“Toda norma jurídica se inclui dentro de uma estrutura ética, dentro de um sistema de convicções sobre o normal e o anormal, ou seja,dentro de uma ordenação normativa, que é, como se sabe, um conjunto articulado de disposições, para o comportamento humano”.

Ainda do mesmo autor, obra e página acima mencionado, citando Miguel Reale:

Uma regra jurídica não pode nem deve ser tomada de per si como se fosse uma proposição lógica em si mesma inteiramente válida e conclusa, pois o seu significado e a sua eficácia dependem de sua funcionalidade e de sua correlação com as demais normas do sistema, assim como do conjunto de princípios que a informam (Filosofia do Direito, 5ª Ed., Parte II, tít. X, Capítulo XXXVII, n. 207) (grifamos).

Assim, se a norma depende de sua funcionalidade e de sua correlação, para ser cumprida, como atribuir à autoridade ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública quando, por exemplo, retarda ou deixa de praticar, indevidamente, ato de ofício, conforme preceitua a Lei nº 8.429/1992 ( Lei de Improbidade Administrativa)?

Se se entender que o cumprimento da norma sub exame, face a ausência de funcionalidade e correlação, não pode ser cumprida, (arts .9º C e 9º D)  a autoridade não estará sujeita às penalidades mencionadas na lei.

Entretanto, como forma de acautelar-se, deverá dita autoridade, comunicar a quem de direito, as razões pelas quais deixa de cumprir termos da legislação federal.

Caberá, portanto, ao Prefeito, entendendo não ser possível o cumprimento da norma pelas razões aqui expostas, comunicar ao Ministro de Estado de Saúde, ao Secretário de Estado de Saúde, ao Fundo Nacional de Saúde, ao Conselho Municipal de Saúde como também ao Ministério Público,  por escrito, de maneira fundamentada porque não o faz, especialmente porque, referida norma para  ser cumprida, carece de que novos recursos sejam repassados (art. 9º C) e, especialmente, seja o art. 9º D, regulamentado via Decreto, fixando normas gerais acerca do incentivo financeiro para fortalecimento de políticas afetas à atuação de agentes comunitários de saúde e de combate às endemias (art. 9º D).

Com a medida acautelatória, a autoridade estará fora dos ditames das penalidades contidas e mencionadas na norma sub exame.

Efetivadas as medidas inerentes aos arts. 9º C e 9º D, a norma passa a ter eficácia plena e, por conseguinte, aplicação imediata.

 

Marcelo Azevedo – advogado consultor, poderá instrumentalizá-lo acerca deste tema.

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